seiscentos e cinquenta e oito
um dilema clássicü:atingir a parede de loiça
deixar marca
e no fim ter de limpar,
ou
apontar para a poça
e desiderar que o refluxo
não acerte em cheio
no olho do cú.
Todos os portugueses são mentirosos.
seiscentos e cinquenta e sete
Se estás cansado, pequeno índio,
deitas-te e estendes-te na terra,
e se estiveres também alegre,
brinca com ela, querido filho...
Ouvem-se coisas espantosas
no tambor índio desta terra:
ouve-se o fogo, desce e sobe,
procura o céu e não sossega.
Sempre a correr, ouvem-se os rios
em mil cascatas incontáveis.
Ouvem-se os animais mugir;
e o machado a comer selva.
Ouve-se o som dos teares índios.
Ouvem-se trilhos, também festas.
Lá, onde o índio o está a chamar,
o tambor índio lhe responde,
e tange perto e tange longe,
como o que foge e o que regressa...
Tudo carrega, tudo aguenta
o santo lombo desta Terra:
o que caminha e o que dorme,
aquele que sofre e o que brinca;
arrasta os vivos e os mortos
o tambor índio desta Terra.
Quando morrer, não chores, filho:
põe o teu peito junto dela,
se dominares os teus impulsos,
como se tudo ou nada fosses,
tu escutarás subir o braço
que me sustinha e que me entrega,
e essa mãe, dantes vencida,
tu hás-de a ver
voltar inteira.
- A Terra, Gabriela Mistral
tradução Fernando Pinto do Amaral