segunda-feira, 4 de junho de 2012

408
1º sonho de Calvino
Do alto de mais de trinta andares, alguém atira da janela abaixo os sapatos de Calvino e a sua gravata.
Calvino não tem tempo para pensar, está atrasado, atira-se também da janela, como que em perseguição.
Ainda no ar alcança os sapatos.
Primeiro, o direito: calça-o; depois, o esquerdo.
No ar, enquanto cai, tenta encontrar a melhor posição para apertar os atacadores.
Com o sapato esquerdo falha uma vez, mas volta a repetir, e consegue.
Olha para baixo, já se vê o chão.
Antes, porém, a gravata; Calvino está de cabeça para baixo e com um puxão brusco a sua mão direita apanha-a no ar e, depois, com os seus dedos apressados, mas certeiros, dá as voltas necessários para o nó: a gravata está posta.
Os sapatos, olha de novo para eles: os atacadores bem apertados; dá o último jeito no nó da gravata, bem a tempo, é o momento:
chega ao chão, impecável
-
Gonçalo M. Tavares, in 'O Senhor Calvino'

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