segunda-feira, 25 de junho de 2007

setenta e oito
a sorte que temos em estarmos vivos.

1 comentário:

Anónimo disse...

AOS CINQUENTA ANOS...


Aos cinquenta anos sou um ser perplexo,

n�o como aos vinte, aos trinta, ou aos quarenta,

mas radicalmente perplexo. N�o sei

se amo a vida ou a detesto. Se desejo

ou n�o desejo continuar vivendo.

Se amo ou n�o amo aqueles que amo,

se odeio ou n�o odeio os que detesto.

Se me quero patriarca, pai de fam�lia, como acabei sendo,

ou se me quero livre pelas ruas nocturnas

como quando n�o acabei de descobri-las

em d�cadas de and�-las, perseguindo

sequer o amor mas corpos, corpos, corpos.

Sou de Europa ou de Am�rica? De Portugal

ou Brasil? Desejo que toda a humanidade

seja feliz como queira, ou quero que ela morra

do cogumelo at�mico prometido e poss�vel?

N�o sei. Definitivamente, n�o sei.

Julgas que estou deitado num leito de rosas?

� perguntava ao companheiro de tortura Cuauhtemoc(1).

Mas, mesmo destitu�do, preso e torturado,

ele era o Imperador, descendente dos deuses.

Eu n�o descendo dos deuses. O corpo d�i-me,

que envelhece. O esp�rito d�i-me de um cansa�o f�sico.

As belezas de alma, seja de quem forem, deixaram de interessar-me.

Resta a poesia que me enoja nos outros

a n�o ser antigos, limpos agora do esterco

de terem vivido. E eu vivi tanto

que me parece t�o pouco. E hei-de morrer

desesperado por n�o ter vivido. Aos 50 anos

nem sequer a raiva dos outros ainda me sustenta

o gosto e a paci�ncia de estar vivo.

Outros que tentem e descubram:

que digam ou n�o digam �-me indiferente.


Jorge de Sena (1919-1978)
40 Anos de Servid�o