Todos os portugueses são mentirosos.
AOS CINQUENTA ANOS...Aos cinquenta anos sou um ser perplexo,n�o como aos vinte, aos trinta, ou aos quarenta,mas radicalmente perplexo. N�o seise amo a vida ou a detesto. Se desejoou n�o desejo continuar vivendo.Se amo ou n�o amo aqueles que amo,se odeio ou n�o odeio os que detesto.Se me quero patriarca, pai de fam�lia, como acabei sendo,ou se me quero livre pelas ruas nocturnascomo quando n�o acabei de descobri-lasem d�cadas de and�-las, perseguindosequer o amor mas corpos, corpos, corpos.Sou de Europa ou de Am�rica? De Portugalou Brasil? Desejo que toda a humanidadeseja feliz como queira, ou quero que ela morrado cogumelo at�mico prometido e poss�vel?N�o sei. Definitivamente, n�o sei.Julgas que estou deitado num leito de rosas?� perguntava ao companheiro de tortura Cuauhtemoc(1).Mas, mesmo destitu�do, preso e torturado,ele era o Imperador, descendente dos deuses.Eu n�o descendo dos deuses. O corpo d�i-me,que envelhece. O esp�rito d�i-me de um cansa�o f�sico.As belezas de alma, seja de quem forem, deixaram de interessar-me.Resta a poesia que me enoja nos outrosa n�o ser antigos, limpos agora do estercode terem vivido. E eu vivi tantoque me parece t�o pouco. E hei-de morrerdesesperado por n�o ter vivido. Aos 50 anosnem sequer a raiva dos outros ainda me sustentao gosto e a paci�ncia de estar vivo.Outros que tentem e descubram:que digam ou n�o digam �-me indiferente.Jorge de Sena (1919-1978)40 Anos de Servid�o
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AOS CINQUENTA ANOS...
Aos cinquenta anos sou um ser perplexo,
n�o como aos vinte, aos trinta, ou aos quarenta,
mas radicalmente perplexo. N�o sei
se amo a vida ou a detesto. Se desejo
ou n�o desejo continuar vivendo.
Se amo ou n�o amo aqueles que amo,
se odeio ou n�o odeio os que detesto.
Se me quero patriarca, pai de fam�lia, como acabei sendo,
ou se me quero livre pelas ruas nocturnas
como quando n�o acabei de descobri-las
em d�cadas de and�-las, perseguindo
sequer o amor mas corpos, corpos, corpos.
Sou de Europa ou de Am�rica? De Portugal
ou Brasil? Desejo que toda a humanidade
seja feliz como queira, ou quero que ela morra
do cogumelo at�mico prometido e poss�vel?
N�o sei. Definitivamente, n�o sei.
Julgas que estou deitado num leito de rosas?
� perguntava ao companheiro de tortura Cuauhtemoc(1).
Mas, mesmo destitu�do, preso e torturado,
ele era o Imperador, descendente dos deuses.
Eu n�o descendo dos deuses. O corpo d�i-me,
que envelhece. O esp�rito d�i-me de um cansa�o f�sico.
As belezas de alma, seja de quem forem, deixaram de interessar-me.
Resta a poesia que me enoja nos outros
a n�o ser antigos, limpos agora do esterco
de terem vivido. E eu vivi tanto
que me parece t�o pouco. E hei-de morrer
desesperado por n�o ter vivido. Aos 50 anos
nem sequer a raiva dos outros ainda me sustenta
o gosto e a paci�ncia de estar vivo.
Outros que tentem e descubram:
que digam ou n�o digam �-me indiferente.
Jorge de Sena (1919-1978)
40 Anos de Servid�o
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